Friday, December 28, 2012

Frase do Dia #37

Rumo a casa, antes de penetrar nas entranhas da terra - vulgo metro -, achei que deveria dar um salto a uma livraria. Fui, entrei, dirigi-me à estante pretendida e encontrei imediatamente o que queria, rejubilando, porque havia apenas um exemplar do livro desejado. 

Tendo já devorado meio livro, que já se vai colorindo de sublinhados, eis algo que entrou pelos olhos dentro:

«O mundo inteiro puxa-nos para baixo, mas as mãos de quem gosta de nós atiram-nos para o alto. Sem se cansarem.»

E eu pensei, ao ler O Pintor Debaixo do Lava-loiças, do Afonso Cruz, na minha família e nas poucas - mas maravilhosas - pessoas que ainda se preocupam comigo. 

Wednesday, December 19, 2012

Frase do Dia #36

Meditando sobre o objecto do jantar, que envolveria pequenos pedaços trucidados de um chouriço, eis que penso sobre os prazeres da carne e da comida, no geral. Assoma ao pensamento a visita do senhor Palomar ao talho, durante uma ida às compras, como nos conta Italo Calvino:

«Um sentimento não exclui o outro: o estado de alma de Palomar na bicha do talho é simultaneamente de alegria contida e de temor, de desejo e de respeito, de preocupação egoísta e de compaixão universal, o estado de alma que outros talvez exprimam na oração.»

É por isto que os prazeres e as tentações da carne andam de mãos dadas com a religião.

(Já Fellini dizia que isso tudo se concentrava em Roma - filme e cidade -, algures entre os devoradores de pasta, as prostitutas e os desfiles de moda religiosa.)

Sem número, número 10

era de Magritte que me recordava, do Império das Luzes.

foi com esse quadro que sonhei naquela noite.

mas era natural, pois nessa noite finalmente repousara em casa depois da viagem a Veneza.

Veneza, que anos antes me fascinara à chegada.

mal pus os pés fora da estação e me depararei com o canal, tive consciência que, de facto, a cidade existia.

é algo que me acontece com frequência.

só compreendo que determinadas coisas existem quando entram pelos olhos dentro.

por isso tenho errado tanto.

com as pessoas principalmente.

(isso é o que mais me preocupa.)

li algures uma vez que os japoneses são exímios em valorizar o erro.

consideram-no algo positivo, dizem que impulsiona o processo evolutivo.

é uma oportunidade de aprendizagem.

nós, em contrapartida, condenamo-lo, reprimimo-lo e desprezamos todo o fracasso.

também já interiorizei essa ideia.

e por isso tenho pavor de falhar.

e, ao sentir-me assim, sei-me incompetente.

incompetente porque não tenho capacidade para lidar com o fracasso.

sinto-me débil, susceptível.

e creio que é isso que se sente quando se tem medo.

e eu tenho muito medo.

e quanto mais medo tenho, mais medo de ter medo sinto.

porque o medo é paralizante.

há quem diga que o medo não é tão mau, pois faz-nos ponderar e pensar.

talvez seja verdade.

impede a impulsividade.

e ao sermos impulsivos incorremos, frequentemente, no erro.

e já sabemos o que o erro, entre nós, implica.

não é o Império das Luzes. mas podia ser

24 de Outubro de 2005

Saturday, December 1, 2012

Frase do Dia #35

Indaguei na minha memória e estou convencida que nunca li um autor norueguês antes. Estreei-me com Kjell Askildsen e Um Repentino Pensamento Libertador (título sugestivo, hein?) e não estou nada arrependida. Quando muito, irritada por só agora ter iniciado a leitura. São uns quantos contos dos bons e a forma como o senhor vai expondo as relações entre as pessoas - pai/filho, marido/mulher - é crua, reveladora e muito realista. Só posso dizer: «gosto muito».

«Na realidade não podemos evitar ser quem somos, pois não? Estamos completamente à mercê do nosso passado, não é? E nunca fomos nós que criámos o nosso próprio passado. Somos flechas disparadas do útero da nossa mãe, e aterramos num cemitério. Que importância tem então - no momento de aterrar - se voámos alto ou baixo? Ou se voámos para longe ou não, quantas pessoas magoámos pelo caminho? Isso, disse Vera, não pode ser toda a verdade.»

Let's hope not.