Ontem, um colega atencioso partilhou comigo o seguinte vídeo, em que Luca Guadagnino, criador da tal série, era entrevistado a propósito da dita. Se soubesse antes que se tratava da primeira incursão do realizador no formato televisivo, talvez tivesse espreitado um episódio. Mas não imaginava e a importância que lhe conferi foi apenas a da coincidência tonta.
Felizmente, ontem dei mais atenção ao vídeo partilhado e uma mera coincidência tonta transformou-se numa espécie de epifania, agindo sobre mim como uma mola psicológica.
A série (que não vi ainda, confesso) gira em torno de alguns adolescentes e seus respetivos pais que habitam numa base militar americana no estrangeiro (especificamente, no Veneto, em Itália). E o tema de fundo é o displacement, o deslocamento das personagens: esta mudança de lugar, de cultura e, creio eu, mais importante, de contexto. Assim que a entrevista abordou este aspeto (e Guadagnino tem tanto a partilhar sobre este assunto, que também me é muito caro), não consegui desprender a minha atenção.
Embora não tenha uma experiência tão rica e clarividente quanto a de Guadagnino, tenho uma pequena ideia do que é sair do espaço onde passámos a primeira parte da nossa vida e mudar de cenário, ainda que a uma escala menor do que a sua (nascido em Palermo, de mãe argelina e pai italiano, o realizador viveu até aos seis anos na Etiópia). Sei um pouco o que é isso de chegar a um lugar novo, que não é nosso, e sentir o deslocamento. Mas (devido talvez às minhas próprias limitações) nunca cheguei a pensar e a elaborar de modo tão claro como fez Guadagnino. Diz ele sobre a mudança de cenário e o confronto com o novo lugar:
«...you must adapt, you cannot bring your individuality to it.»
Ou seja, o indivíduo não consegue impor a sua individualidade (nem impor-se) ao contexto. Este é que conforma a pessoa, agindo sobre ela e transformando-a. Digo eu que é impossível impor a individualidade ao lugar porque a dimensão do cenário (e tudo o que ele comporta) ultrapassa a nossa: o sujeito é pequeno e não pode senão sentir-se «overwhelmed».
No entanto, não entendo este processo como algo negativo*. Assume contornos semelhantes aos das situações de crise que operam (igualmente) transformações profundas sobre o indivíduo. Creio até, que esta é a forma mais eficaz de evoluirmos: por meio do poder avassalador de uma mudança maior do que nós, como são, afinal, todos os deslocamentos.
*Às vezes (só às vezes!) até sou optimista. Tomem lá.