Os pés iam deslizando pelo tatami, cruzando os corredores iluminados pela tranquilidade
dos raios de sol que as paredes de papel deixavam atravessar. Um shogun sentado, imóvel, de olhar vazio, ocupava o centro da sala, enquanto uma gueixa servia
chá. A cena parecia preparada para receber alguém. Um estrangeiro, talvez. Ela olhava as cores e imaginava o cenário com vida, onde pessoas feitas de carne e osso se movimentavam vagarosamente. Caminhava
devagar, pisando o tatami suavemente. Sentia a lycra dos collants roçar o chão e o frio que restava do Inverno já quase a chegar ao fim. Um ligeiro arrepio subiu ao pescoço: era uma sensação agradável.
Era a segunda vez que caminhava descalça, naquela manhã. Antes do
castelo, visitara um templo, onde, como é habitual, fora obrigada a retirar os sapatos. Por breves momentos assistira a
uma cerimónia cujo fim desconhecia, mas onde o que suponha ser um monge ou padre retirara uma série de objectos da manga, empunhando-os de seguida. Um leque, um par de óculos, um pedaço de papel, a partir do qual lera (o que lhe parecia serem) algumas frases. Sentou-se no
chão. Sentiu-se livre, como se, momentaneamente, o espírito tivesse libertado o corpo.
Tranquila, assistia aos gestos lentos do cerimonial. O mestre – chamemos-lhe assim – ergueu o leque. Depois, retirou da funda manga um pequeno rolo de papel, a partir do qual entoava algumas palavras na sua língua materna. Pelo desconhecimento do japonês, deixou-se embalar pelos sons que o ar trazia suspensos. Cheirava a incenso e, ao fundo, Buda vigiava os presentes. Uma mulher segurava as portas deslizantes e, delicadamente, fez-lhe um sinal, pedindo que saísse. Levantou-se, devagar, e saiu. Partia pacificada, ainda que sem perceber o que lhe acontecera.
Tranquila, assistia aos gestos lentos do cerimonial. O mestre – chamemos-lhe assim – ergueu o leque. Depois, retirou da funda manga um pequeno rolo de papel, a partir do qual entoava algumas palavras na sua língua materna. Pelo desconhecimento do japonês, deixou-se embalar pelos sons que o ar trazia suspensos. Cheirava a incenso e, ao fundo, Buda vigiava os presentes. Uma mulher segurava as portas deslizantes e, delicadamente, fez-lhe um sinal, pedindo que saísse. Levantou-se, devagar, e saiu. Partia pacificada, ainda que sem perceber o que lhe acontecera.
À tarde, no castelo, quando se descalçou, sentiu que a luz filtrada pelas paredes de papel a atingia. Tudo parecia diferente: sentia o chão, mas era como se flutuasse. Deixava os pés deslizarem no tatami e descobria o seu toque, sentia a textura. Percorria as diversas salas, onde se erguiam ilustrações naturalistas, decorando cada reflexo de luz e memorizando cada sensação nova.
Quando finalmente saiu para a rua, sentou-se nos degraus de madeira, calçando os sapatos. Inesperadamente, sentiu, pela primeira vez, o pé no sapato. Lembrou-se da sua infância, da história
de Cinderela. Sorriu. Encontrara o seu - o sapato - e também se sentia feliz. Ou, pelo menos, assim lhe pareceu.
Recordar-se-á, para sempre, dos primeiros passos na gravilha
depois de ter atado os ténis. Sentiu a terra como parte de si; sentia cada pedra que pisava. Ouviu algures o som do koto, o
instrumento de cordas japonês. Estava em lado nenhum. O corpo absorvia as
sensações e pacificamente acolhia-as no seu interior transformando-as num sentimento
de profunda tranquilidade. Cada passo era sossegado, ponderado.
Cada passo uma viagem. E nessa viagem física, nessa breve caminhada,
encetou uma viagem interior que a pacificou. E talvez tenha, até, sentido felicidade.
[Nesse dia erguia-se um sol primaveril, como este outonal, que não aquece os
corpos, mas aconchega os corações.]
Ó, a cara de felicidade.
29 de Outubro de 2008 - 31 de Outubro de 2012
muito belo
ReplyDelete