Este foi sem dúvida um dos acontecimentos da minha vida. E uso o termo «acontecimento» no mesmo sentido que é utilizado no domínio do Jornalismo - ou pelo menos nos livros que nos mandam ler quando estudamos Jornalismo. Um acontecimento é algo digno de ser noticiado. É algo importante, raro, que acontece fora da rotina. Foi esse o caso da viagem ao Japão. Recordo-me - embora o sentimento seja hoje mais esbatido, um pouco erodido pela passagem do tempo - que me senti verdadeira e profundamente feliz enquanto lá estive: sentia paz, tranquilidade, alegria e tinha a clara noção de que estava a concretizar um dos tópicos da minha lista «Coisas a fazer antes de morrer» com apenas 22 anos.
O Japão é, por isso, um lugar muito especial para mim. Ainda que a minha passagem por essas terras tenha sido breve e poucos lugares tenha visitado, fui muito bem recebida e, tal condicionamento pavloviano, associo o Japão a felicidade (um sentimento ausente de mim durante tantos anos e, como tal, hoje muito valorizado).
Há um ano, o Japão também registou «um acontecimento». Ou pior: três eventos numa só catástrofe. Um sismo de elevada(íssima) amplitude, um tsunami (gigantesco) e um acidente nuclear. A realidade ultrapassou a ficção. Recordo-me do choque das imagens das enormes ondas varrendo vilas, cidades. Casas arrastadas, barcos galgando estradas inundadas. Vi também, pela primeira vez, um fenómeno assustador: fendas percorrendo passeios e jardins, expandindo-se e fechando-se, manifestando à superfície as tensões que emergiam das profundezas da terra. Antes de ter acontecido era inimaginável. Mas aconteceu e tornou-se um facto.
Durante um mês - dois, talvez? - assistimos diariamente, no conforto das nossas casas, bem assentes num chão menos propício a terramotos, à agonia dos sobreviventes, à dor da perda, à fome, ao seu sofrimento. E, como se não fosse suficiente sobreviver a uma catástrofe natural de tamanhas dimensões, havia ainda que tentar sobreviver à catástrofe «artificial», à radioactividade. Falou-se muito na central nuclear de Fukushima - que até então, quantos fora do Japão saberiam da sua existência? - do facto de a central não ter resistido às forças das águas, ao sismo. Falou-se no grupo de homens e mulheres que permaneceu no interior da central, tentando impedir o pior, ou, pelo menos, tentando minimizar os danos. Para o mundo, o Japão ficou associado a tragédia.
Passou um ano. Fez hoje um ano que o sismo atingiu o Japão e desencadeou o tsunami, o «acidente» na central nuclear, milhares de mortos, centenas de pessoas afectadas pela radioactividade, um pontapé na economia japonesa, acendeu um debate sobre energias renováveis, entre muitos outros efeitos impossíveis de contemplar em conjunto. Passou um ano. O tempo erodiu o espaço dado pelos meios de comunicação social à catástrofe do Japão. Afinal, já passou um ano e o Japão é distante - geograficamente e culturalmente. Passou um ano. Quantos se recordam ainda do dia exacto em que o tsunami varreu o País do Sol Nascente? Passou um ano. Quantos, fora do Japão, terão lembrado, nos meses que se seguiram ao sismo até hoje, o que se passou? Passou um ano. Independentemente de jornais e canais de televisão, estou certa de que na memória dos sobreviventes o tempo que passou não erodiu a memória do que aconteceu no dia 11 do 3 do 11.
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