Monday, August 31, 2020

Sem número, número 36: Crer para ver

Reza a Bíblia que São Tomé, um dos doze apóstolos, duvidou da ressurreição de Jesus e só ficou convencido da veracidade do sucedido após tocar as chagas de Cristo. Diz que é daí que vem a expressão «ver para crer». 

No entanto, existe um fenómeno muito mais frequente que contraria a expressão e arruína mais vidas. O 'crer para ver'. É quando a pessoa acredita que alguém é de determinado modo, ainda que todas as suas atitudes contrariem, ou pouco corroborem a ideia. Ao contrário de São Tomé, quando a pessoa crê para ver, não há nenhuma imagem, nem explicação que ajude o crente a ver a realidade, que, em quase 100 por cento dos casos, não corresponde à crença. 

Dir-se-á, «Quem nunca?». De facto... Quantos de nós, pessoínhas, nunca viram reciprocidade de sentimentos porque quiseram acreditar que existia? Contudo, perante o olhar geral, diz que nunca houve registo algum dessa reciprocidade. But yet, in the eye of the beholder... 

Destrói sentimentos, arruína vidas... Mas há quem consiga, ao fim de algum tempo, perceber que a crença não corresponde à realidade partilhada. A frustração ajuda a abandonar a crença. Outros, nunca hão-de desistir, nunca perceberão e continuarão, até ao fim dos seus dias, a culpar o outro, que, naturalmente, é louco. Que outra explicação pode haver, se os seus vários comportamentos não correspondem à crença? Que outra explicação pode haver para alguém que sempre se acreditou que fosse Y, ainda que sempre se tenha comportado como X? Louco, naturalmente. Ou «a atravessar uma fase difícil». É sempre uma fase, porque acreditam, como quem acredita num deus que não vê, que a pessoa é Y. Embora tudo grite X.

Friday, August 21, 2020

Blogception#1: Um blogue dentro de um blogue

A vida acontece a todos. Até mesmo aos blogues, como foi o caso do Minudências. Há algum tempo que penso em publicar alguns dos posts originalmente publicados lá, que poderão ser lidos aqui. A ideia não é migrá-los para este tasco, mas seleccionar alguns que me agradam particularmente ou porque sim (é sempre um argumento válido). E é isso.

INSPIRAR

Passaram quase dois meses desde a última vez que escrevi para a Preguiça. Não porque me tenha deixado apanhar pela preguiça – o pecado capital e não o bicho -, mas porque fui apanhada numa curva metafórica. Qual Schumacher em Silverstone em 1999, tive de me ausentar por algum tempo para efeitos de convalescença e eis-me de regresso.

O problema de uma ausência assim é que, mesmo que se exercite o corpo, o cansaço acaba por esgotar as ideias. E sem ideias não há post. Sem post não há Minudências. Sem Minudências… oh, o que seria do mundo sem este blogue?

Como é costume, fui consultar o oráculo contemporâneo que é a Internet. Onde se vão buscar as ideias? Escrevi inspiration no Google e ele devolveu-me as seguintes expressões: «inspiration quotes», «inspiration software» e «inspiration cruises». Deveria fazer um cruzeiro, é isso? «Inspiration Cruises & Tours is a Christian travel management company specializing in group travel experiences for Christian ministries and churches since 1981.» Bom, bem sei que esta é uma época muito importante para os Católicos, mas não sei se é um cruzeiro que me safa. E o software? «Inspiration Software, Inc. is an education technology software company based in Portland, Oregon, which provides several visual thinking and learning products for the K–12 education and business markets.» Parece que fazem mind maps e coisas assim. Isso é capaz de ajudar, mas queria uma coisa mais prática.

Segui o caminho para as «quotes». Ele há aqui muitas citações sobre «fazer o impossível». Fico assustada: não quero fazer coisas impossíveis. Só queria ter uma ideia. «Acreditar» e «mudança» são palavras muito usadas. Por momentos pensei que estava no site de um partido em campanha. Acho que ainda não é isto que me vai ajudar. Escrevo «writers» e «inspiration». E aparece uma torrente de sites com estratégias, citações, recursos, tudo para que uma pessoa escreva a rodos. Ora, no tempo do Camões não havia disto. Nem sequer no tempo do Calvino.

Escrevo «what inspire writers?» e saem-me sonhos. Acho que se os sonhos me inspirassem, escreveria algo parecido com Naked Lunch, do William S. Burroughs. Não parece boa fonte. Mas diz-que o Frankenstein (Mary Shelley) e Dr. Jekyll and Mr. Hyde (Robert Louis Stevenson) foram escritos a partir de sonhos. Isso explica algumas coisas. Indago um pouco mais e parece que há muitas formas de conceber uma ideia, como viajar, ouvir música, escutar o que os outros dizem e até meditar. Fico de certa forma aliviada por saber que os autores mais conhecidos tiveram períodos em que as ideias rareavam: F. Scott Fitzgerald padeceu desse mal, mesmo tendo escrito «The Curious Case of Benjamin Button», e até o pai dos Peanuts, Charles M. Schulz (que criou centenas de tiras!). Ainda bem que escrever coisas para viver não é meu mister. Sinto-me melhor.

Lendo atentamente, procurando outros exemplos famosos de writer’s block, percebo que a maior parte dos artigos dá destaque a conselhos sobre como ultrapassar o bloqueio. E são todos muito semelhantes, apelando a que se combata a escassez de ideias com várias tentativas. Apesar das diferenças, Beckett, Twain, Atwood, todos são unânimes: tentar é preciso. Bom, nesse caso, parece que me adiantei ao conselho: voilà, acabei de criar um novo post!

Oh well, parece que estou de volta.
(Publicado a 1 de Abril de 2015, sujeito a ligeiras modificações.)


Tuesday, August 11, 2020

Frase do Dia #61

O seguinte trecho contém spoilers. Quer dizer, mais ou menos: no final, todos morremos, portanto, é um fim expectável. E o que realmente aqui interessa é o seguinte:

«Then, as his planet killed him, it occurred to Kynes that his father and all the other scientists were wrong, that the most persistent principles of the universe were accident and error.

Even the hawks could appreciate these facts.»

O filme do Dennis Villeneuve está quase aí. Mas vale a pena ler primeiro Dune, de Frank Herbert.