Carson McCullers, a senhora do Lonely Hunter - que é o Heart - e que faz parte das minhas principais escolhas literárias, sempre que possível. Aqui, numa das short-stories reeditadas pela Penguin em Wunderkind.
[Breve contextualização: o homem que se dirige ao rapazito que distribui jornais e que acaba de entrar no café explica-se a propósito da sua teoria sobre o amor e sobre como se apaixonou.]
«"I'm not explaining this right. What happened was this. There were these beautiful feelings and loose little pleasures inside me. And this woman was something like an assembly line for my soul. I run these little pieces of myself through her and I come out complete.»
Sunday, April 29, 2012
Monday, April 23, 2012
Frase do Dia #27
Sem aparente espectacularidade, este trecho de Rentes de Carvalho, retirado de La Coca, ficou gravado na minha memória:
«Para mim 1963 tinha sido um ano mau. O princípio de 1964 mostrava-se ainda pior, o que por uns meses me levou a trocar Amsterdam por Paris. [...]
Em circunstâncias semelhantes, a vida quase sempre se encarrega de dar às situações um toque de absurdo. Assim me acontecia ser convidado com frequência para festividades em que a abastança dos presentes era tão natural que não ocorreria a ninguém que andasse por ali um depenado. [...]
Essas discrepâncias do meu viver devia-as em parte a Madame, que nessa altura já regressara a Paris e vivia então num maravilhoso apartamento do número 7 da Rue des Grands Augustins. Picasso, para ela também como para o lorde, un très cher ami, era o vizinho de cima e eu, com a admiração que o artista me merecia, quando cruzava com ele na escada ou na cour, fazia-lhe respeitosamente a vénia.
Até ao dia em que o acaso quis que o mestre viesse a sair quando Madame e eu íamos a entrar. Beijos dos dois - curiosa cena, aquela mulher muito alta a beijar Picasso - apresentação. Um aceno e um olá do mestre, em seguida uma afirmação críptica da minha amiga: José c'est le jeune homme dont je vous ai parlé. Corei, confuso por não saber do que se tratava, e Picasso rindo da minha confusão, agarrou-me familiarmente pelo braço:
- Tudo acaba por se arranjar, meu rapaz, o principal é saber usar la coca.
Por um instante petrifiquei, julgando que o génio da pintura tivesse perdido o juízo e me recomendasse ali sem rebuço o vício da cocaína. Mas no momento seguinte já ele apontava para a minha cabeça:
- La coca, hombre, la cabeza, la tête! Só se precisa dessa. O resto... - e com um floreado Au revoir! saiu para a rua.»
«Para mim 1963 tinha sido um ano mau. O princípio de 1964 mostrava-se ainda pior, o que por uns meses me levou a trocar Amsterdam por Paris. [...]
Em circunstâncias semelhantes, a vida quase sempre se encarrega de dar às situações um toque de absurdo. Assim me acontecia ser convidado com frequência para festividades em que a abastança dos presentes era tão natural que não ocorreria a ninguém que andasse por ali um depenado. [...]
Essas discrepâncias do meu viver devia-as em parte a Madame, que nessa altura já regressara a Paris e vivia então num maravilhoso apartamento do número 7 da Rue des Grands Augustins. Picasso, para ela também como para o lorde, un très cher ami, era o vizinho de cima e eu, com a admiração que o artista me merecia, quando cruzava com ele na escada ou na cour, fazia-lhe respeitosamente a vénia.
Até ao dia em que o acaso quis que o mestre viesse a sair quando Madame e eu íamos a entrar. Beijos dos dois - curiosa cena, aquela mulher muito alta a beijar Picasso - apresentação. Um aceno e um olá do mestre, em seguida uma afirmação críptica da minha amiga: José c'est le jeune homme dont je vous ai parlé. Corei, confuso por não saber do que se tratava, e Picasso rindo da minha confusão, agarrou-me familiarmente pelo braço:
- Tudo acaba por se arranjar, meu rapaz, o principal é saber usar la coca.
Por um instante petrifiquei, julgando que o génio da pintura tivesse perdido o juízo e me recomendasse ali sem rebuço o vício da cocaína. Mas no momento seguinte já ele apontava para a minha cabeça:
- La coca, hombre, la cabeza, la tête! Só se precisa dessa. O resto... - e com um floreado Au revoir! saiu para a rua.»
Sunday, April 22, 2012
Sem número, número 1
Calçaram-se galochas - o tempo adivinhava chuva. A chuva não veio - caíram somente umas gotas. O dia correu, os sorrisos calaram-se. A indumentária não foi apropriada para as condições atmosféricas, mas adequou-se ao dia de chuva que pairou sobre o espírito.
Wednesday, April 11, 2012
Frase do Dia #26
Num dia cinzento, sentada à secretária a escrever, eis que, uma vez mais, o olhar cruza-se com a lombada de um título específico e folheia-se o livro. O que daí calhou, foi o seguinte:
«...a estupidez constitui um encanto especial numa mulher bonita. Pelo menos, conheci muitos maridos entusiasmados com a estupidez das suas esposas e que vêem nela todos os sinais da ingenuidade infantil. A beleza produz verdadeiros milagres. Todos os defeitos espirituais de uma beldade, em vez de causarem repugnância, tornam-se de algum modo incrivelmente atraentes, e o próprio vício, nelas, respira beleza; porém, se a beleza desaparecer, a mulher precisará de ser vinte vezes mais inteligente do que o homem para inspirar, se não o amor, pelo menos o respeito.»
Lê-se em «Avenida Névski», conto de Nikolai Gógol incluído na colectânea Contos de São Petersburgo. E é por trechos como este que adoro os russos.
«...a estupidez constitui um encanto especial numa mulher bonita. Pelo menos, conheci muitos maridos entusiasmados com a estupidez das suas esposas e que vêem nela todos os sinais da ingenuidade infantil. A beleza produz verdadeiros milagres. Todos os defeitos espirituais de uma beldade, em vez de causarem repugnância, tornam-se de algum modo incrivelmente atraentes, e o próprio vício, nelas, respira beleza; porém, se a beleza desaparecer, a mulher precisará de ser vinte vezes mais inteligente do que o homem para inspirar, se não o amor, pelo menos o respeito.»
Lê-se em «Avenida Névski», conto de Nikolai Gógol incluído na colectânea Contos de São Petersburgo. E é por trechos como este que adoro os russos.
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