Tuesday, September 3, 2013

Sem número, número 18

O Pátio da Eterna Felicidade não é bonito e é pena. Por lá havia passado um par de vezes, até àquele final de tarde em que finalmente me decidi fotografá-lo. Mas o Pátio da Eterna Felicidade não é bonito. É escuro e tem umas pequenas escadas que, descendo, nos conduzem a um labirinto de ruas estreitas que são do mais antigo e sinistro que há na cidade.

Se atravessarmos a rua, do lado oposto ao Pátio da Eterna Felicidade, há uma travessa calcetada decorada com alguns vasos floridos, de onde se consegue ver o que sobra das Ruínas de São Paulo. À noite, da travessa, é possível avistar esse rasgo iluminado que são as ruínas e isso sim, é bonito. É estranho que apenas me tenha apercebido da existência dessa rua, desse rasgo, quando me encontrava no Pátio da Eterna Felicidade. Que é feio, poeirento e com pouca luz.

Ele morava não muito longe do Pátio da Eterna Felicidade. Para lá ir, teria invariavelmente de atravessar o Pátio da Eterna Felicidade. Mas no dia em que o visitei, foi no pátio da sua casa – pela vista do terraço – que pensei que era o Pátio da Felicidade Eterna. Queria fixar aquela visão, levá-la comigo, porque nunca me sentira tão feliz como ali, naquele lugar, naquele presente. Também de lá se viam as ruínas, mas era possível vê-las inteiras, pujantes de luz, belas, apesar dos brutais remendos de betão.


Descendo o olhar para a rua onde se situava o prédio, viam-se umas pequenas casas orientais, raras na cidade. Em todo o tempo que lá estive, poucas vezes me cruzara com essas habitações tradicionais. Não que seja muito difícil encontrá-las, mas o acaso nunca me conduzira a uma. Uma das casas suscitou a minha atenção. Era verde, creio. Ou vermelha. (Aqui a memória torna-se nebulosa.) Estava bem preservada, talvez tivesse sido restaurada, e dela emanavam vozes, histórias de outros tempos, que não prometiam finais felizes, mas continham em si a beleza que só o tempo consegue conferir às recordações. Mesmo às mais tristes.

Pouco antes de partir, vi na Ilha casas semelhantes. Eram um pouco diferentes, exibiam as marcas da idade, mas tinham o ar de quem sabe guardar segredos. Curiosamente, vi-as quando passava nessa rua acompanhada dele. As mais belas imagens da cidade, quis o acaso que as visse na sua companhia. Aquelas que guardo na memória e que receio perder sem que possa fazer algo que contrarie o esquecimento. Tenho medo de esquecer. Não porque tenham sido bons momentos, ou porque a sua companhia fosse a ideal. Não. Na realidade, longe do Pátio da Eterna Felicidade, a realidade impera e a beleza consome-se. Mas no seu pátio, no pátio que foi para mim o da Felicidade Eterna, sem fim, consigo ver o passado com a lucidez da memória. Porque, desde sempre, o tempo, na crueldade da sua passagem, foi adocicando as memórias que guardo desse período.


Sim, ele existe. Não foi coisa que tivesse capacidade de inventar.

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