Wednesday, September 30, 2020

Sem número, número 40

«You've got this strange effect on me and I like it»


(Digam o que quiserem da série, mas as roupas da Villanelle são fantásticas e a música é de embalar sonhos.) 

Monday, September 28, 2020

Frase do Dia #62

Do amor, segundo Amerigo Ortea, em O Dia de um Escrutinador, por Italo Calvino:


Refere-se ao amor paternal, mas diria que se pode usar com a finalidade que se desejar. 


Saturday, September 26, 2020

Sem número, número 39 (mas que devia ter outro número)

Tentei, há algum tempo, deixar de me pensar em demasia. Porque consome muito tempo e gera ansiedade. É melhor pensar no que temos em redor. Ou melhor: em quem nos rodeia.

Durante três anos, quem me rodeava e me mantinha os pés assentes no chão, esteve ausente. Cedo me apercebi do impacto que essa ausência tinha na minha percepção da realidade. Todos precisamos de uma espécie de bússola moral, que não é, no meu caso, uma simples bússola moral. É uma real bússola humana, que me auxilia a encontrar o referente externo do "outro". Para uma pessoa egocêntrica, uma destas bússolas é essencial. Ou, pelo menos, é-o para uma egocêntrica que não quer perder o Norte.

A minha irmã é a minha bússola. Se consigo, apesar das minhas falhas, ver através de olhos alheios, é graças a ela. Nunca deixou de martelar esta dura cabeça, mesmo nos momentos mais críticos, e conseguiu sempre trazer-me de volta à realidade. E fazer-me compreender o mundo a partir do olhar dos outros.

Por isso, a poucos dos dias do seu aniversário*, escrevo estas palavras lamechas. Que são sobre mim (ou não fosse eu uma criatura que acha que é tudo sobre mim - mesmo os incêndios na Califórnia ou os terramotos na Nova Zelândia), mas não existiriam sem a minha irmã.

E é isto. Feliz aniversário, Sorella.


*Escrevi isto quatro dias antes do aniversário, mas a vida, às vezes, mete-se no meio das palavras, por isso vai só agora.

Wednesday, September 23, 2020

Blogception#2: Um blogue dentro de um blogue

A propósito da poesia e da minha relação com ela, lembrei-me ontem que já havia abordado o assunto há uns anos. Mais precisamente no início de Novembro de 2013, no Minudências

ENTRANDO DOCILMENTE NESSA NOITE SERENA

Ou, pervertendo o original de Dylan Thomas: «do go gently into that good night». E segue a declaração de interesses: não sou amiga da poesia. Não tomo chá com ela ou vamos juntas às compras. Não somos amigas, pronto.

Não nos relacionamos mal, contudo. Gosto dela e até aprecio a sua companhia. Mas só às vezes. É como aquele «amigo/a» de quem gostamos, até, mas com o qual temos medo de passar demasiado tempo, porque não queremos apanhar seca. [OK. Uma pessoa assim como eu.]

Ainda assim, já li Dylan Thomas, Wislawa Szymborska, Herberto Hélder, um poucochinho de António José Forte, Al Berto, e.e.cummings, William Blake e mais uns quantos, creio. Estes são os que moram nas minhas estantes ou que por lá já passaram (excepto o António José Forte).

Enfim. Não sei muito sobre ela, a verdade é essa, muito embora já tenhamos sido apresentadas há muito tempo. O que se passa é que as nossas relações não começaram da melhor forma.

Deixem-me ser exacta: o problema da minha ausência de intimidade com a poesia não vem do momento em que nos conhecemos. Quando me foi apresentada, até correu tudo bem: devia ter entrado há pouco tempo na idade dos dois dígitos e lia alguns clássicos portugueses, como Camões ou Florbela. Não me recordo de reflectir muito sobre o assunto ou tema, mas soava bonito.

Entretanto cresci mais uns anos e acabei por ter Português A, no ensino secundário. O extermínio da beleza da poesia e a professora da altura conduziram a um afastamento. Com alguma dor, até.

Só recentemente, há cerca de quatro anos, por influência de um caro amigo, recuperei o velho interesse e recomecei a ler poesia. Sempre por recomendações. Nunca nos tornámos íntimas, e achei melhor confiar no conselho de quem é leitor mais experiente do que eu.

Portanto, não sou a melhor pessoa para avaliar a qualidade de um texto poético. Mas diz que anda por aí muito poeta nacional de categoria. E curiosamente, a poesia, que não vende, vai vendendo. Talvez porque a lógica do mercado não a conseguiu dominar e esta deixou-se estar no seu nicho, sossegada, mas sustentável.

Lembrei-me disto porque soube que foi ontem apresentado na FNAC de Coimbra o novo livro de poesia de Luís Quintais, Depois da Música (Edições tinta-da-china). Este é o terceiro livro da colecção de poesia coordenada pelo Pedro Mexia nesta editora, que não tinha propriamente uma «tradição poética». É coisa rara, nestes tempos, ver editoras inaugurarem colecções de poesia e, ainda para mais, com obras de autores contemporâneos, porque, como disse, por mais prazer que possa gerar, é um género pouco marqueteiro. E talvez pelos motivos que aqui expus: porque é preciso conhecê-lo bem, para entendê-lo. Se calhar, a poesia sente-se mais do que se lê. De qualquer modo, eu cá continuarei com os meus velhos hábitos, visitando-a de tempos a tempos e cumprimentando-a sempre que a vir atravessar a rua.

(Publicado a 7 de Novembro de 2013, sem alterações.)

Monday, September 21, 2020

Sem número, número 38: Da perda

Em italiano, quando alguém morre, usa-se por vezes a expressão si è spento. É uma forma bela de dizer que uma vida se extingue ou deixa de existir. E, no fundo, é isso que acontece: uma vida chega ao fim, perde-se. Extingue-se. E deixa atrás de si um vazio, uma escuridão igual à da luz que se apaga.

Tenho sido muito afortunada, pois vivi poucas perdas ainda. Mas, à medida que o tempo avança e vou assistindo à dor da perda nos rostos e nas vidas dos que me são próximos, assusto-me. A irreversibilidade da morte, esse murro que se recebe no estômago e revolve as entranhas é um sentimento que não experimentei, mas me impressiona. Não consigo deixar de me tentar colocar no lugar do outro, procurar a empatia, mas só esse exercício, ainda que tão distante da realidade, custa-me.

Como tudo o resto na vida, não há manual de instruções e cada qual reagirá a seu modo. Não faço ideia de como reagirei no dia em que perder os meus pais, ou os meus avós. Também procuro não imaginar muito. Anseio apenas que ocorra num tempo distante. Apenas isso. Mas, num ano tão trágico, de tantas perdas, é inevitável não pensar em todos os que nos deixaram fisicamente. Guardemos a memória da sua passagem, porque esta não deve, nunca, ser em vão. 

Tuesday, September 1, 2020

Sem número, número 37 meets Cenas da vida do campo #3

Começar o dia com uma ressaca de sono, álcool, ecrãs a mais. Sem vontade de trabalhar ou ler. Procurar a sequência final do Dredd, porque alguém a recordou recentemente, e contemplar uma figura humana em queda durante mais de um minuto.

Também eu estou assim. Em queda, flutuante, numa manhã que acordou como eu, cinzenta e distraída. Falta café, o combustível dos dias. Lá fora as andorinhas esvoaçam desorganizadamente, desinteressadas do meu olhar e do que quer que seja que se passe deste lado do vidro.

And yet, sinto-me bem. Nada me parece particularmente importante nesse momento, além do meu olhar. Ainda que vasculhando textos antigos e ideias, que, apesar da imaturidade, vinham carregadas de emoções e sentimentos, sinto-me bem. Apesar desse confronto. A única diferença é que,agora, as palavras vêm devagar, preguiçosas e é preciso abrir caminho pelas camadas de indiferença que fomos assentando para que fosse possível continuar avante.

Mas afinal, estamos vivos. É um engano. Ludibriamo-nos. Quando confrontados com o objecto que origina a dor, uma torrente sentimental irrompe de nós, como magma de um vulcão em erupção. Felizmente, tal como as erupções e os terramotos servem para aliviar as tensões, também o confronto tem a sua utilidade. Aparentemente, as colinas do Etna são terreno fértil para o cultivo da vinha. E foi graças à erupção do Vesúvio em 79 AD que Pompeia e Herculanum se mantiveram preservadas até hoje. Pelo meio morreram centenas de pessoas, mas, vá, we all die, right? [Sarcasm alert.]

Talvez seja necessário magoar e ser magoado. Quando era criança, avisavam-me frequentemente dos perigos que poderiam acontecer ao saltar de muros. Nunca prestei muita atenção, até ao dia em que parti a cabeça. Mas depois do susto, da dor, do sangue, dos pontos a sangue frio, nunca mais voltei a saltar muros sem avaliar onde iria aterrar. E, desde então, não voltei a partir a cabeça. Já quanto aos muros, não sei se voltaram a partir cabeças. Talvez. Quem sabe?